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RetiJane Popelier
Sobre
Nasceu em Blumenau/SC, filha de imigrantes Belgas (Leon e Celina). Formou-se em Direito pela FEPEVI (Itajaí) em 1984.A partir daí tornou-se advogada militante e logo no segundo ano de profissão passou a participar das atividades da OAB/SC. Especialista em Direito Civil foi Professora da UNIVALI. Em 1997 foi eleita Presidenta da Subseção da OAB de Balneário Camboriú, reconduzida ao cargo por reeleição em 2000. Já ocupou a Vice-Presidência da CAASC, cargo de Conselheira Estadual e Secretária Geral da Comissão Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB. Em 2009, foi novamente eleita Presidenta da OAB/SC-BC para o mandato até 2012.
Afilhada de Joyce Lima Krischke
Confreira Honorária
Direitos humanos de crianças e adolescentes
O direito à sua mãe!
Retijane Popelier
Segundo a definição de Miguel Velásquez, Os Direitos humanos são os nossos direitos fundamentais (da pessoa humana), enunciados historicamente a partir do progressivo reconhecimento, pelas legislações nacionais e normas internacionais, da inerente dignidade de todo indivíduo, independentemente de raça, sexo, idade ou nacionalidade. A consagração de tais direitos constitui um traço marcante do processo civilizatório, e sua efetiva implementação, um indicador seguro do nível de desenvolvimento humano atingido por um povo ou nação.[1]
Ao falarmos e pensarmos em DIREITOS HUMANOS, devemos retomar a história e leespaço, que atrapalhava na hora que os adultos se encontravam; que tinha “manias” que os adultos não sabiam de onde vinham esquecendo-se daquelas vezes que “compraram o silencio mbrar da revolução francesa e americana, berços onde nasceu a luta por esses direitos.
CRIANÇA E ADOLESCENTE, até bem pouco tempo atrás era uma “incógnita”, um serzinho que ocupava um de um choro irritante” com a promessa de um brinquedo (!); ou que consciente ou inconscientemente serviu como “motivo” para chantagem numa separação. Além disso, era um dado fora da estatística.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227 consagrou o DEVER da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Passados 21 anos (05.10.1988) desde que promulgada nossa Carta Magna e mais de dois mil anos do nascimento da civilização cristã, temos testemunhado casos de violação dos direitos de crianças e adolescentes, que acontecem nos mais diversos lugares, das mais diversas formas e pelos mais diversos atores.
Os mais comuns que vêm à lembrança são o abuso sexual; as agressões físicas; o abandono; exploração de trabalho.
De fato é assustador o número de crianças e adolescentes que vivem a violência do abuso sexual, em todas as classes sociais. É uma chaga. É uma doença humana, das mais graves. É uma barbaridade.
As agressões físicas ainda são regras a tal ponto de serem consideradas quase banais. Há quem inclusive professe o poder da “palmada”. Nosso código civil, no artigo 1638 classifica o castigo em duas categorias – moderado e imoderado – permitindo ao interprete concluir que a palmada pode ser um castigo moderado, e assim também a chinelada, o beliscão.
Sem dúvida que o legislador propõe castigos comedidos e sensatos no processo de educação dos filhos, desde que o 'animus corrigendi' não ultrapasse os limites, não se permitindo excessos nem meios inapropriados, devendo sempre respeitar a própria pessoa do filho, à idade, o sexo, a constituição física, e as peculiaridades de cada um. Repugna a arbitrariedade, a violência, e todas as formas de excesso, tanto que os excessos vêm tipificados em figuras penais, como as lesões corporais (art. 129) e maus tratos (art. 136) do Código Penal.
O abandono é uma violência desumana, e somente nós, humanos, somos capazes de tal atitude com nossas crias. Todavia, é importante ressaltar que cada caso de abandono precisa ser tratado de uma forma diferente da outra, isto porque, um tipo é aquele da mãe que engravidou contra a própria vontade e que não conseguiu praticar o aborto; outra é aquela garotinha que nada sabe da vida, mas que passou seus primeiros anos de vida sendo precocemente estimulada ao erotismo e ao sexo e, usada como objeto, engravida e abandona sua cria; outros são os casos de mães que sem qualquer tipo de explicação ou possível compreensão dão à luz e jogam sua cria na lata do lixo, no córrego ou deixam numa caixinha de sapatos em alguma esquina.
O abandono é uma das mais graves violências praticadas pela espécie humana, não somente com crianças e adolescentes, mas também com os velhos, os enfermos, os pobres.
É necessária uma compreensão sociológica das razões que nos levam ao abandono, a sofrê-lo e a praticá-lo. Falar sobre violência aos direitos humanos de crianças e adolescentes em decorrência do abandono, exige uma interpretação de suas raízes históricas e culturais que então nos permita agir contra essa prática.
Finalmente, das práticas mais comuns de violência aos direitos humanos de crianças e adolescentes há ainda a sua exploração no trabalho. É um tema polêmico, pois há muito pouco tempo a sociedade brasileira ingressou no mundo urbano. Faz pouco que ainda vivíamos, todos, no ambiente rural onde, no mais das vezes, era absolutamente comum que crianças e adolescentes participassem do trabalho que a própria família realizava, de cultivo da terra e criação de animais. O trabalho infanto-juvenil passou a ser visto como violência a partir da melhor organização social e hoje é considerado crime.
“Atualmente, nos países da América Latina existe mais de 19 milhões de jovens entre 5 e 17 anos que participam de atividades econômicas, o que representa mais de 14% dos 133,7 milhões de meninos e meninas que moram na região” (Rede Andi, 2005).[2] E essa América Latina, afirma-se ser uma das regiões mais violentas do mundo onde crianças, adolescentes e as mulheres são as principais vítimas [3].
Segundo dados do UNICEF no Brasil o Índice de Desenvolvimento Infantil está abaixo da média mundial e muito longe daquele verificado em nações desenvolvidas. Esse índice leva em consideração o percentual de crianças com pais e mães, a quantidade das que estão com as vacinas em dia, o grau de escolaridade e a taxa de mortalidade infantil. Nesses dois últimos aspectos os números brasileiros revelam um desempenho lamentável. Em dez Estados brasileiros, a taxa de mortalidade entre crianças com até cinco anos supera a faixa de 30 por 1000 nascidos vivos. No Pará, a estatística informa que 10,4% de crianças com menos de um ano morrem por causas desconhecidas. No Acre e em Alagoas, a mortalidade infantil alcança 41,3 crianças por 1000 nascidos vivos. [4]
Mas, além destes tipos de violação aos direitos humanos da criança e do adolescente há outros.
E um dos mais sutis denomino de violência institucional.
Vivemos numa sociedade que ainda dá muita importância à forma e menos importância ao conteúdo.
Fala-se, já há muito, no TER e não no SER e é dentro desse contexto que acontece a violência institucional, praticada algumas vezes em nome da lei e da justiça, em nome do poder judiciário e do ministério público, em nome do conselho de direitos e do conselho tutelar, em nome do poder público e é uma violência quase imperceptível, praticamente “inconsciente” e por isso fala-se tão pouco a respeito.
Todos os direitos fundamentais de que gozam as crianças e adolescentes são alcançados pelo princípio da prioridade, segundo o qual sua proteção e satisfação devem ser buscadas (e assegurados pelo Estado) antes de quaisquer outros.[5]
Todavia, o acompanhamento e análise de alguns casos têm demonstrado que o Estado, por seus agentes, não praticam, via de regra, o princípio da prioridade absoluta como deveriam. E assim também a sociedade em geral, escolas, abrigos, e outros locais que tratam do tema.
É sobre este tipo específico de violação a direitos que vou expor algumas experiências e convidar a alguma reflexão.
Em 1990, com a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069), bem como com a aprovação, pelo Brasil, da Convenção da ONU assumimos o PRINCÍPIO DO “MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA” como um princípio constitucional, por força do artigo 5º, § 2º da Carta Maior. As crianças e adolescentes brasileiras passaram a contar com um sistema legal bastante completo e moderno, que lhes assegura proteção integral a todos os seus interesses, sob a égide da prioridade absoluta. Sua efetiva implementação, entretanto, permanece sendo um desafio para o Estado e toda a sociedade.[6]
Na prática esse propósito muitas vezes não se confirma.
Tomemos como exemplo o caso nº 113.98.000122-8 julgado pelo poder judiciário de Santa Catarina (caso Patrícia). Uma família inteira foi desagregada (e o princípio do melhor interesse daquelas crianças sequer foi considerado) por que passou por uma circunstância decorrente da falta de apoio de políticas públicas e do preconceito. Um pai, uma mãe e quatro filhos. O pai era quem sustentava a família com seu trabalho e a mãe se dedicava ao lar e ao cuidado da família. Ela veio a falecer e aquele pai ficou então com a incumbência de sustentar e cuidar de quatro filhos pequenos. Pobres, sobreviviam dos rendimentos de seu serviço como pedreiro. Quase nenhuma escolaridade. Família extensa frágil. Perdido em meio a essa nova situação não teve capacidade nem forças para cuidar de seus filhos e trabalhar ao mesmo tempo e, diante disso passou a ingerir bebida alcoólica. Não demorou muito e o conselho tutelar tirou seus filhos de sua guarda e os abrigou em uma instituição. Esse pai tentou por diversas vezes ficar com seus filhos, mas não tinha nenhuma condição material e seu emocional ficava cada vez mais frágil e cada vez bebia mais. Ninguém, nem o poder judiciário, nem o ministério público, nem a instituição, nem o conselho tutelar, nem o conselho municipal promoveu uma única medida para ajudar aquele pai a se estruturar para poder ter seus filhos consigo, como desejavam. Afundou-se na depressão e terminou seus dias consumido pela cirrose. De seus filhos, somente a mais nova - que ficou no abrigo até seus 18 anos de idade - encaminhou-se razoavelmente na vida. Seu filho mais velho cumpre pena e as duas filhas mais velhas deram-se à prostituição.
Seu processo de destituição do poder familiar foi julgado e na Sentença, apontou-se a incompetência da rede de proteção social, incluindo o poder judiciário e o ministério público. Mas já não adiantava mais nada. O que de concreto havia era uma família de brasileiros destruída por falta de políticas públicas e por força do preconceito à que aquele pai foi submetido, considerado pela maioria dos atores daquele processo como o “culpado” por não conseguir criar os filhos. Naquele episódio o direito humano e o princípio do melhor interesse de quatro crianças foi violado por toda a estrutura que o Estado dispõe. Este é um exemplo clássico da violência institucional.
Tomemos ainda outro exemplo, o caso nº 00507051016-9 também julgado em Santa Catarina (caso Rosenilda). Neste caso um pai, negro e analfabeto e uma mãe, índia e semi-alfabetizada, tiveram suas vidas alteradas por dois fatores: a drogadição do pai e o abuso de poder da autoridade a quem competia julgar o caso. A mãe foi considerada, pelo estudo social realizado no início do processo, como “zelosa”, mas dela foram tirados seus três filhos, por influência de uma pretensa adotante que, ao conseguir a guarda daquelas três crianças, ficou com a que lhe interessava encaminhou os outros dois irmãos para outras famílias.
Tudo isso foi apurado no processo e ninguém responsabilizado. O direito humano de três irmãos, três crianças foi violentado pelo integrante do ministério público, do poder judiciário, por advogados e pelos integrantes da equipe técnica que foram influenciados por fatores externos que não a prioridade da criança.
No primeiro caso o que importou foi “tirar as crianças da situação de perigo” e no segundo, o que importou “foi conseguir a criança que determinada mulher queria”. Em nenhum deles prevaleceu o interesse das crianças, que era ficar com o pai, no primeiro caso, e no segundo, ficar com a mãe
Nesses casos é necessário questionar, e esta é a maior provocação deste trabalho, o que sentiram aquelas crianças que, abruptamente, passaram a não ver mais seus pais?
A criança quer sua mãe em 99% dos casos, mas essa sua vontade, que deveria ser atendida pelo Estado antes de tudo, não é considerada.
E assim sucessivos outros casos que “judicializados” receberam e receberão idêntico tratamento.
A violência institucional se concretiza na medida em que pais e mães pobres são tratados sem a necessária compreensão de suas realidades sócio-econômicas e culturais. Ou seja, a C. F., o E.C.A. e o C.C.B. são aplicados isonomicamente a classes diametralmente distintas que vivem em condições diametralmente diferentes.
Uma mãe de classe média age de forma diferente de como age uma mãe de classe pobre e de ambas se distingue o comportamento de uma mãe de classe rica. Isto porque, são diferentes as construções de vida de cada uma delas. A mãe de classe média pode usufruir de um plano de saúde para proteger seu filho, ao passo que à mãe pobre resta o SUS. A mãe da classe rica paga tratamento particular. Como, então, aplicar-se o mesmo critério de julgamento às três mães no caso da criança desenvolver uma doença que a leve a óbito, por exemplo? A avaliação coletiva que é feita sobre tais casos julgará a mãe pobre como “culpada”; a mãe da classe média terá sido vítima do mau atendimento médico ambulatorial e a mãe rica será considerada uma fatalidade.
Através da pesquisa Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar, realizada pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) a pedido do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) já no ambiente escolar nascem os conceitos e preconceitos:. 96,5% dos ntrevistados têm preconceito com relação a portadores de necessidades especiais, 94,2% têm preconceito étnico-racial, 93,5% de gênero, 91% de geração, 87,5% socioeconômico, 87,3% com relação à orientação sexual e 75,95% têm preconceito territorial.
Relevante observar que esses valores de conceito, pré-conceito e julgamento são valores que compõem todos os envolvidos nos processos judiciais, que trabalham e atendem crianças e adolescentes. Também é relevante citar que a maioria das pessoas que se tornam alvo do processo de destituição do poder familiar fazem parte de alguma categoria analisada pela pesquisa acima informada. E vejam, os números são assustadores, todos acima de 75%. Ou seja, justamente naquelas categorias mais sujeitas aos processos de destituição do poder familiar é que ocorrem os mais altos índices de discriminação e preconceito: de negros, que vivem na periferia ou em favelas e são pobres. E os processos de verificação da situação da criança e da suspensão ou perda do poder familiar são provocados, iniciados, administrados, influenciados e decididos por pessoas que compõe essa sociedade avaliada pela pesquisa. Profissionais preconceituosos, com as devidas exceções, decidem a vida alheia de crianças e adolescentes.
Nenhum desses processos ocorre para mães e pais de classe média, somente para mães e pais pobres, negros, que vivem na favela ou na periferia.
Este é um dado relevante a demonstrar que, excetuando-se os casos de drogadição, violência física, abandono e violência sexual, a grande maioria dos casos de violência contra os direitos de crianças e adolescentes tem como origem a pobreza.
Então, em conseqüência da pobreza o poder judiciário suspenda ou retira o poder familiar de mães e pais, de seus filhos, recolhe-os a um abrigo ou a uma família substituta e se esses pais não tiverem uma estrutura familiar para auxiliá-los, como de regra não tem, sucumbirão. Ou seja, os filhos estão perdendo seus pais por causa da pobreza (!) não obstante a garantia constitucional de que essa circunstância não possa ser motivo para tal.
Segundo dados colhidos da ONG Casa da Criança do Brasil [7], situada na cidade de Balneário Camboriú, SC, em cada 10 casos de abrigamento de crianças ou adolescentes um (1) decorre ou da drogadição; ou da violência física; ou da violência sexual e nove (9) casos decorrem da pobreza.
Segundo dados divulgados no mês de julho do corrente, em Santa Catarina havia 1.662 crianças ou adolescentes abrigados, sendo 897 meninas e 765 meninos e destes 158 estavam em “condição” de ser adotados. As outras 1504 crianças ou adolescentes estavam abrigadas por quê? Por que seus pais são pobres e suas vidas estão depositadas em um processo a espera de uma decisão judicial que, em praticamente 100% dos casos, destituirá mãe e pai do poder familiar.
Porém, muitos desses casos, eu ouso afirmar, a maioria, precisaria apenas que o poder público e a sociedade civil organizada auxiliassem concretamente aquela mãe e/ou pai para que seus filhos pudessem voltar à com eles viver.
Na mesma proporção devemos avaliar as 80 mil crianças e adolescentes que vivem hoje em abrigos, no Brasil. Destas, algo como 3 mil estão em condições de ser “adotadas”, ou seja, já estão com o poder familiar afastado, destituído. As outras 77 mil lá se encontram porque seus pais são pobres, negros, vivem na periferia, sobrevivem da reciclagem do lixo.
Desconheço políticas PÚBLICAS que adotem a mãe da criança com o intuito de manter essa família, de manter a criança com sua mãe que é, em última análise, seu direito natural.
Existem “grupos” a favor da adoção. É necessário criar grupos a favor do direito da criança viver com sua mãe biológica!
A nova lei nacional de adoção que entrará em vigor em novembro próximo (em alguns juízos já está sendo aplicada), em que pese às críticas que dela já nasceram, avançou um pouco nessa direção ao insistir na priorização da família.
Esta é uma PRIORIDADE que deve ser atendida: o que a criança pequena quer em 99% dos casos é sua mãe, e é para isso que devemos desenvolver e aplicar o princípio do melhor interesse da criança, ao contrário, estaremos apenas atendendo ao interesse da autoridade e dos adultos envolvidos no caso e, de modo geral, da opinião pública.
Devemos nos habituar a pensar nisso, conversar sobre isso, questionar isso, afinal se nosso papel é defender o direito de crianças e adolescentes e se essas crianças e adolescentes estão protegidos pelo princípio do QUE MELHOR LHES INTERESSA é inegável que quando o poder público e a sociedade civil organizada aceitam passivamente que mães percam seus filhos em decorrência da pobreza ESTAMOS DEIXANDO DE CUMPRIR AQUELE PRINCÍPIO, ESTAMOS PRATICANDO UMA VIOLÊNCIA AO DIREITO DAQUELA CRIANÇA E DAQUELE ADOLESCENTE.
Cada caso que envolva a suspensão e/ou perda do poder familiar devem previamente analisar esse enfoque: SE A PRIORIDADE É O INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, NÃO É SUA MÃE SEU MAIOR INTERESSE?
Certamente a dificuldade dos operadores em colocar em pratica os princípios da PRIORIDADE ABSOLUTA e DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA repousa, também, no fato de que a leitura fria da lei é mais fácil do que a interpretação e compreensão e do que seja um Princípio.
Vale a pena citar a explicação dada por PEREIRA: “.... diferentemente das regras, (os princípios) não trazem em seu bojo conceitos predeterminados. A aplicação de um princípio não o induz à base do tudo ou nada, como ocorre com as regras; sua aplicação deve ser “prima facie”. Os princípios, por serem standards de justiça e moralidade, devem ter seu conteúdo preenchido em cada circunstância da vida, com as concepções próprias dos contornos que envolvem aquele caso determinado. Têm, portanto , conteúdo aberto.” [8]
OU SEJA, cada caso é um caso e cada caso deve e merece ser tratado com respeito as suas peculiaridades.
Naqueles casos concretos antes citados, as crianças pequenas queriam ficar com seu pai; choravam ao vê-lo ir embora; sofreram a primeira parte da adolescência, no abrigo, distantes daquele pai com quem viveram os primeiros anos da infância. Já haviam sofrido a perda da mãe que falecera. Foram condenados à perda do pai em vida.
No outro caso era visível a força da relação entre aquelas três crianças e sua mãe e desta em relação aos filhos. Mas a opinião de terceiros, adultos, prestadores de serviço ao judiciário e ao abrigo não perceberam – ou preferiram ignorar – que o maior interesse daquelas crianças não era ser encaminhados para família substituta ou adotiva: era ficar com o pai e a mãe. Todavia, não tinham discernimento e capacidade para expressar isso, e aqueles que deveriam falar por elas não compreenderam a mensagem ou preferiram ignorar.
Prevaleceu, assim, a interpretação corrente de que o melhor para crianças abrigadas é ser encaminhado à adoção e isto contraria a natureza do princípio do melhor interesse da criança.
A experiência mostra que esta não é uma regra absoluta, ela tem grandes e variáveis exceções que não estão sendo observadas porque o princípio do melhor interesse da criança e da prioridade absoluta ainda não está plenamente compreendido por aqueles que têm o dever aplicá-los.
Tanto é verdade que já existe inclusive um site informando que “pais adotivos devolvem crianças aos abrigos”. Outro caso recente está acontecendo em minha cidade de origem. A criança adotada simplesmente não quer ficar com a mãe adotiva, ela quer sua mãe biológica. A mãe adotiva então promoveu o reencontro da criança com sua família biológica (bem extensa, aliás) e agora está sendo processada pelo Ministério Público. Ou seja, não estamos mesmo preparados para atender o princípio do melhor interesse da criança. Ainda prevalece apenas o que consideramos melhor para “nós” e do “nosso ponto de vista”.
Finalizo lembrando uma passagem da Convenção Internacional dos Direitos da Criança ratificada pelo Brasil através do Decreto n° 99.710/90, ao dispor no art. 3.1: "todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança”. E o interesse maior da criança, ouso afirmar, é sua mãe.
Portanto, se essa mãe está passando por situações não recomendáveis para a criança, como a drogadição, por exemplo, esse caso deve ser tratado de uma maneira específica, com tratamento, mas, se a condição não recomendável é a pobreza, a carência material, que corresponde a 91% dos casos, então esse caso deve ser tratado com alternativas, com políticas públicas adequadas que cuidem da criança e ajudem a mãe a se reestruturar. Aí sim estaremos respeitando um direito fundamental inerente à dignidade do indivíduo, no caso o direito daquela criança viver com sua mãe natural.
[1] Miguel Granato Velasquez, Promotor de Justiça, Coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude
[2] Fonte: Unicef - Relatório da Situação Mundial da Infância 2005
[3] Prof. Dra. Nivia Valença Barros Professora Adjunta da Escola de Serviço Social - UFF. Doutora em Educação (Declaração de Buenos Aires, maio de 2005)
[4] Editorial, ISTOÉ 17/06/2009, pág. 20
[5] Ob.cit.
[6] Ob. Cit.
[7] www.casadacriancadobrasil.org.br
[8]PEREIRA, R.C, Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família, p.91
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